Segundo o mestre Jorge Melchiades, é a dança, jogo e brincadeira, que prepara para a resistência à escravidão física ou dominação psicológica e espiritual.
Participe desta atividadeSegundo o mestre Jorge Melchiades, é a dança, jogo e brincadeira, que prepara para a resistência à escravidão física ou dominação psicológica e espiritual. A roda de Capoeira Mística é, fundamentalmente, uma festa que visa resgatar o sentimento comunitário, tribal, proporcionando a terapia da amizade e da ética amorosa. Portanto ela deve atrair e concentrar as energias positivas e terapêuticas do universo cósmico.
Foi mestre Jorge Melchiades, que nasceu em Sorocaba/SP, no ano de 1940, na Vila Leão. Foi o pioneiro no ensino da Capoeira em sua cidade natal, e o primeiro a montar academia para ela, no interior do Estado de São Paulo. Sua infância se deu engraxando sapatos e vendendo jornais nas ruas e praças centrais da cidade.
Dos oito aos onze anos de idade precisou brigar quase todos os dias para se defender dos engraxates, maiores e mais fortes, que se impunham como sendo donos do território e exploravam os menores, cobrando deles comissão de seus trabalhos. Hoje essa prática seria chamada somente de “bullying”.
Começou a aprender a boxear com apenas onze anos de idade, com o
valente peso médio profissional,
o paraguaio Júlio Alcalai, que fez história na cidade e passou a ensinar no pátio da Escola
Municipal de Sorocaba, depois nomeada “Getúlio Vargas”. Jorge participou de algumas lutas em
sua
categoria,
Entre os anos de 1966 e 1968, apesar de já existirem na cidade, academias de judô, boxe e caratê, ele montou, na Rua Rodrigues Pacheco, 140,
academia para ensinar o que sabia: uma luta polivalente e sem regras, vista hoje como Street Fight, para a autodefesa dos cidadãos que, na época, se viam diante de inevitáveis provocações para brigas. Chamou a prática, primeiro de “vale-tudo”, que hoje poderia ser ou antecipação das lutas de MMA. Mas depois de ter comprado, em São Paulo, um livro da primeira edição "Capoeira sem mestre", de Lamartine P. da Costa, passou a praticar suas lições e mudou o nome para “Tudoeira”, já que misturava tudo o que sabia com o que aproveitou do livro.
Acabou fazendo parceria com o estudante de medicina, Haruo Nishimura,
um lutador olímpico que ensinava judô nos porões do antigo hotel “Vicente”, na Rua Souza Pereira, em frente ao “Jardim do Canhão”. O Haruo possuía caríssimos tatames de palha, importados do Japão, que passaram a substituir a serragem de madeira coberta por uma lona, do Jorge. Seus alunos ironizavam felizes, dizendo que não iriam mais respirar pó da serragem e cuspir sarrafos, depois dos treinos. Após alguns meses, o Haruo se formou médico; partiu da cidade e levou os caríssimos tatames...
No início de 1969, Jorge soube, por um minúsculo anúncio em jornal da capital, que lá já havia alguém ensinando capoeira. O anúncio era do mestre Valdemar Angoleiro, que ensinava numa sala do antigo prédio Martinelli. Jorge levou para lá o seu sobrinho/irmão, o Jorginho, que não gostava de brigar nem de lutar, mas ao conhecer a Capoeira de Angola, se encantou. Ambos começaram a treinar com o mestre Valdemar e, no contato com outros capoeiristas, ficaram sabendo que havia alguns outros mestres se esforçando para tornar a capoeira conhecida em São Paulo. Era muito difícil porque, na época, os cidadãos que dela ouviam falar, a viam de modo preconceituoso e até racista, como uma dança/luta do folclore, praticada por vagabundos e malandros, na Bahia. Na academia do mestre Valdemar Angoleiro, o Jorge conheceu o mestre Paulo Limão, também baiano, tentando sua sorte em São Paulo.
Convidou-o para ir dar aulas remuneradas aos sábados, na academia, em Sorocaba, que agora
estava
na Rua Dr. Arlindo Luz, número 58,
O Jorginho também se propôs a ensinar o que aprendia na academia montada pelo Jorge, mas se separou dela logo, porque não apreciava a " mistura" que o Jorge fazia da Capoeira com Boxe e outras lutas. Ele continuou sua aprendizagem em São Paulo e chegou até a abrir academia própria numa sala do Banco de São Paulo, na Rua São Bento. Mas, pela dificuldade de arranjar alunos logo a fechou. Ele chegou a querer fazer da capoeira uma atividade profissional, como outros que conheceu na capital, ao contrário do Jorge, que era empresário e já cuidava de duas lojas, da rede que mais tarde espalhou lojas por outras cidades do Estado de São Paulo. Era apenas para manter a forma física e ter um espaço adequado às práticas da luta que gostava, que mantinha academia para ensinar defesa pessoal em duas noites da semana, com roda de Capoeira aos sábados à tarde, com a presença do mestre Silvestre, outro capoeirista baiano que passou a vir com o mestre Paulo Limão.
Acontece que em uma das lojas, que ficava na Rua Coronel Benedito Pires, número 116, conhecida como "O Paraíso Musical", o Jorge recebeu um integrante da diretoria das “Casas André Luiz”, que lhe pediu para apresentar, ao público de Sorocaba, um show Beneficente de Capoeira. O Jorge topou e ficou combinado que a casa transitória ficaria com a renda total para o Natal dos albergados, mas faria os convites e os venderia. O show foi marcado para a noite de 26 de Novembro de 1969, no Clube Recreativo central.
Ansioso para divulgar a nova prática, Jorge se precipitou, porque o número de alunos era mínimo, e a data estava muito próxima. Não haveria tempo de formar um grupo com competência para a apresentação. Conta ele que, talvez, com receio de passar vergonha, os mestres Limão e Silvestre já foram alegando que tinham outro compromisso e não poderiam ir. Porém Paulo Limão, vendo o Jorge preocupado, o levou para falar com o mestre Pinatti, na Academia que havia montado numa travessa da Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, em São Paulo. Ele ficou de reunir alguns capoeiristas mais preparados e, junto com o Jorge e seus alunos, realizariam o espetáculo.
Os jornais da cidade deram ótima cobertura, como as pesquisas demonstram e, na noite do dia marcado, o Recreativo "entupiu" de gente... Porém o Pinatti não apareceu. Também tinha as mesmas dificuldades do pioneiro, e não conseguiu reunir o grupo esperado. A atração estava marcada para iniciar às 21 horas e, quase às 22 horas, o Jorge, muito envergonhado, anunciou que adiava o show de Capoeira.
Antes, cogitou de fazer uma pequena demonstração para o público, todavia concluiu que apenas com o Jorginho e mais dois ou três alunos, não poderiam tocar berimbau, atabaque, pandeiro e, ao mesmo tempo, realizar o canto, o coro e o jogo com a grandeza do que foi prometido. Os ingressos adquiridos valeriam para uma nova data a ser marcada, pois a renda garantiu o natal dos albergados. Ocorre que, numa das rodas de sábado, Jorge jogava com o saudoso mestre Paulo Limão, na academia, quando surgiu um jovem capoeirista de São Paulo. Era o Celso Bersi, conhecido pelo apelido “Bujão”, que entrou na roda também. Dias depois lhe apresentou seu mestre Reinaldo Ramos Suassuna que, com sua primeira turma de alunos, já vinha dando bons espetáculos, inclusive na cidade de Olímpia.
Suassuna, por ter grande talento e personalidade carismática, foi quem conseguiu os melhores resultados, no ensino da Capoeira em São Paulo, entre outros pioneiros. Sua liderança no meio da Capoeira foi muito importante para que ela se tornasse conhecida, não só em São Paulo, como também no Brasil e exterior. Ele combinou com o Jorge de trazer seus alunos para a apresentação que foi adiada.
Na noite de sábado, 21 de fevereiro, de 1970, Suassuna e sua primeira turma de alunos, com Esdras Filho, Lobão, Anande das Areias, Celso Bersi, Freguesia, Bentinho, Eli, Terval, entre outros, e ainda seus amigos, mestres Paulo Limão, Silvestre e Joel, juntos com Jorge Melchiades, Jorginho e alunos, se apresentaram no Clube União Recreativo completamente lotado pelo público ávido de conhecer a folclórica dança usada para luta. Sorocaba viu, então, um inédito, espetacular e inesquecível “Show de Capoeira”. A vibração foi geral e o Jorge cumpriu sua promessa. Celso Bersi se tornou grande amigo do Jorge e, juntos, se uniram ao Suassuna para participarem no programa da Xênia, na antiga TV Bandeirantes, entre outros eventos.
Em seguida, o Jorge foi convidado pelo Salomão Pavloski que, na época, era o diretor da Radio Vanguarda e depois da TV Sorocaba-SBT, para participar do “programa Sílvio Santos”, na antiga TV Tupi, canal 4, para representar Sorocaba no quadro “Cidade contra Cidade”. E no domingo, 31 de maio de 1970, TODO O BRASIL assistiu a Capoeira de Sorocaba e de São Paulo, num retumbante espetáculo dado pelos mestres Suassuna, Paulo Limão, Anande das Areias, Celso Bersi, Jorginho e outros. A Capoeira recebeu a nota máxima e Sorocaba venceu Votuporanga, tendo ganhado como prêmio, uma ambulância novinha, toda equipada, que foi para a Prefeitura da cidade. Jorge foi considerado pelo mestre Suassuna, um integrante da sua primeira turma de formados; e a academia de Sorocaba se tornou a primeira filial da “Academia Cordão de Ouro”, no Brasil.
Jorge era empresário e mantinha uma academia deficitária economicamente.
Para diminuir despesas, resolveu mudá-la da Rua Arlindo Luz para uma sala do prédio vizinho ao “Clube Círculo Italiano”, na Praça Coronel Fernando Prestes. Porém, após algum tempo, passou por momentos críticos, e teve de fechá-la para não onerar mais os negócios. Foi quando passou a ensinar Capoeira de modo eventual e descontinuado, para dispersos alunos, no clube de rinha de galos, que havia na Praça Carlos de Campos, esquina com a Rua 13 de Maio; no Clube Círculo Italiano; no Clube de Campo Jardim São Paulo e em vários outros lugares.
Convém ressaltar que, no ano de 1971, conforme relata Esdras Magalhães dos Santos, veterano tenente da Aeronáutica, conhecido como mestre Damião, formado em 1947 pelo mestre Bimba da Capoeira Regional, no seu livro, "CONVERSANDO SOBRE CAPOEIRA", um grupo de mestres se propôs a criar o “Departamento Paulista de Capoeira”, com o fim de regulamentar sua prática. Na solenidade de sua instalação trouxeram o mestre Bimba, da Bahia, como convidado de honra. Ele, do alto da respeitabilidade conquistada como criador da Capoeira Regional, reconheceu, como legítimos precursores dela, em São Paulo, nove mestres. Ora, a partir de então, esse acontecimento foi usado para autenticar uma hierarquia institucional, determinante de uma série de imposições copiadas das artes marciais orientais, com o uso de cordões coloridos e cordas (similares às faixas de quimonos) para identificar o nível atingido pelo aluno em sua aprendizagem.
As imposições regulamentadoras, oriundas de um poder fiscalizador, visava a proteção dos interesses das academias e de seus mestres. Com isso se buscava eliminar o método da "oitiva" adotada, principalmente, pelos mestres da Capoeira raiz e mais antiga, e até mesmo de vários mestres da Capoeira de Angola. Na "oitiva" o aprendiz observava e procurava imitar os movimentos, fato que gerava uma riqueza de estilos de ginga e de jeito de jogar. A Capoeira Regional, que surgiu depois da Capoeira de Angola, aperfeiçoou o jogo no sentido de sua agressividade e de preparo para a luta. E como de fato, a profissionalização dos capoeiristas, e a dedicação total para os treinos em academias, elevou a prática para o nível das melhores artes marciais do planeta. Mas, diz o mestre Jorge, que esse progresso a fez perder muito também. Seus rituais, tradições e procedimentos foram perdendo os valores do costume comunitário, cultural e coletivo. O resultado foi o incremento de cada vez maior competitividade e de rivalidade entre grupos e indivíduos.
Além da "oitiva" desprezada como método de aprendizagem, também o tempo de preparo do capoeirista foi modificado de acordo com o liberalismo econômico da modernidade. Os mais antigos lembram que o aluno, tanto da Angola como da Regional, passava por uma solenidade chamada "batismo", após dois ou três meses, depois de aprender uma série de movimentos básicos. A outra solenidade era na "formatura" após, aproximadamente, seis meses, quando terminava o curso de formação do capoeirista. É como explica o veterano mestre Damião, em seu livro citado, como era o curso do mestre Bimba, entre outros, de diferentes mestres. A formatura indicava que o aluno foi habilitado pelo seu mestre, a ser capoeirista. Se ensinasse a arte para outros podia se consagrar professor ou mestre pelo reconhecimento público. O Jorge Melchiades, por exemplo, ensinou e foi reconhecido como mestre em sua época, não só por alunos, como também pelos jornais da cidade, que sobre ele deram notícias; e por outros mestres. Tanto assim que o famoso mestre baiano, também formado por mestre Bimba, o Itapoan ou, Raimundo Cesar Alves de Almeida, cirurgião dentista e professor adjunto da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia, o reconheceu no seu livro, “Bibliografia Crítica da Capoeira”.
A tradição, ou o costume que passava de uma geração a outra, no uso da palavra “mestre”, seguia o significado do vernáculo, ou do idioma em geral, e se refere a professor. Aquele que serve de guia, de comando ou ensina uma arte ou ofício. Por isso se diz haver mestre de cozinha, de costura, de obras, de dança, do ofício de carpinteiro etc. No Catimbó, se refere a quem "preside as reuniões rituais, ou espírito de mestre antigo que por ele se manifesta..." (Conforme a Grande Enciclopédia Delta Larousse). Com a regulamentação institucional, o mestre passou a ser formado por outro mestre.
Mas "voltando às vacas magras"... Em 1978, após superar sérios problemas, o Jorge voltou a ensinar capoeira, ainda representando a “Cordão de Ouro”, em um dos cursos para adultos, na “Escola Magnus”, que montou na Rua da Penha, 574.
Em 1984, a Escola mudou-se para a Rua Monsenhor João Soares, 58 e, no endereço anterior, foi deixado o curso de capoeira aos cuidados de Eduardo Alves dos Santos; ex-aluno do mestre Joel, que Jorge apresentou ao mestre Suassuna, para continuar como representante da “Academia Cordão de Ouro”. O mestre Suassuna só o aceitou com a condição de ele passar por um longo estágio adaptativo. O curioso foi que o Eduardo adotou o nome anterior da “Academia de Ginástica Nacional”. E foi o seu trabalho no ensino da capoeira que o tornou conhecido como “mestre Fálcon”.
Foi também no ano de 1984 que se deu o falecimento da mãe do mestre Jorge; o fenômeno de sua aparição em espírito o impressionou profundamente, fazendo-o abandonar as lides da política, da educação infantil e supletiva de adultos, a advocacia e a faculdade de Psicologia, no último ano de bacharelado, para iniciar os estudos de Parapsicologia e espirituais, que o levaram a desenvolver a teoria da Psicologia Racional. Mais tarde se tornou pós-graduado em Psicopedagogia e se tornou professor de Filosofia.
Para iniciar a fase MÍSTICA da vida, ele reuniu amigos e formou um grupo de estudos e de experimentações, que chamou de NUPEP (Núcleo de Pesquisas Psíquicas), que muitos vieram a conhecer. Continuou sócio da escola que, em sede própria, se especializou no Ensino Fundamental. Em 1999, voltou a ensinar Tudoeira, e depois de um tempo, a ensinar Capoeira, quando já estava com sessenta anos de idade, porque tinha ideado a modalidade “Mística”, que visa a melhor formação intelectual e espiritual do praticante, tendo jogado com outros mestres e ensinado a “Mística” até 2007.
Apresentação de 10/2001
Parou com 67 anos devido a sério problema que resultou na cirurgia, para retirar um tumor da medula, na altura coluna cervical. Antes, porém, formou os mestres na Capoeira Mística: Celso Bersi (que apesar de formado pelo Suassuna na mesma época que o Jorge, não a havia ensinado. Atuou ensinando a Capoeira Mística na década de 2000); Rolemberg Monteiro; Wellington Figueredo e os professores Diogenis Bertolino Brotas e Rodrigo Quadros.
Ouça o som da Roda Mística, num domingo qualquer, e o improviso no canto do mestre Jorge, junto com o canto dos mestres Celso bujão e Wellington.
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Texto elaborado por Sandra Ayumi e Wellington Figueredo, pesquisadores e autores do livro “História da Capoeira em Sorocaba”.
À venda: Amazon (físico e digital) / Mercado Livre (físico)
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